A torrefação é uma atividade econômica com marcante presença familiar. Empreendimentos pequenos que se consolidam e conquistam seu lugar ao sol no mercado são frequentes. Isso se traduz também em longevidade e, consequentemente, na demanda por renovação nas forças de trabalho para dirigir a empresa. Nasce, portanto, a preocupação com o prosseguimento do negócio e, consequentemente, a sucessão. “Mas suceder não é substituir”, avisa o consultor Marcos Herszkowicz, do Grupo Ricardo Brennand, durante sua palestra Sucessão: os caminhos da governança corporativa e familiar.
O especialista explica que a sucessão inclui emoções e é importante que se olhe para elas. Além disso, não é um ato focado apenas em quem chegará, mas também em quem deixará o posto. “Um processo de sucessão tradicional foca em quem vai assumir a vaga, mas é fundamental olhar para quem vai ser sucedido. Por exemplo, numa sequência da primeira para a segunda geração, o que esse fundador vai fazer, qual cadeira vai ocupar?”. Esta pergunta nem sempre recebe as atenções necessárias durante o processo sucessório.
Herszkowicz explica que, num negócio familiar, existe a questão de como a sucessão se dá dentro daquele círculo. Contudo, ele chama atenção para o fato de que, dentro de um processo desse tipo, é preciso cuidar com atenção do negócio propriamente dito, da gestão e da empresa. Esses três itens não podem sair da vista enquanto se pensa sobre o sucessor, o processo de saída do sucedido e a chegada desse novo nome.
Outra eventual crença que o consultor derruba em sua apresentação é de que a sucessão possa ser feita rapidamente. “É processo, leva tempo. Antônio Ermírio dizia que eram necessários pelo menos 10 anos e aí, sim, se teria um sucessor”. Isso significa que a sucessão precisa ser vista como um processo planejado. Esse planejamento é fundamental, pois a sucessão é a manobra mais perigosa dentro de uma empresa.
Esse tempo de amadurecimento, esse desenvolvimento do processo evita situações como o vai e vem do sucedido. “É ruim entregar o bastão e pegá-lo de volta. Esse vai e vem do sucedido que volta quando a coisa aperta não é bom”. Assim, salienta o consultor, quanto mais se procrastina no processo de sucessão, pior será. “Não deixem para amanhã. Essa troca de bastão pode acontecer em um mês ou em 10 anos, mas a preparação tem que começar o quanto antes”.
Trata-se de uma responsabilidade do sucedido iniciar esse processo e ele não é estático, mas coletivo. É um processo que deve olhar para o futuro. O mundo está mudando e nessa avalanche de mudanças – que inclui novas tecnologias, mais volatilidade, incerteza e ambiguidade nas coisas – os processos também estão se diferenciando. O palestrante chama a atenção para o fato de não ser só a tecnologia que tem novidades, mas os próprios negócios e o modo de realizá-los. Num mundo mais volátil, as coisas são menos claras, menos sedimentadas. “A velocidade do mundo está mudando e a sucessão precisa levar isso em consideração”.
Todo o processo de troca de posto em uma empresa deve atentar para o futuro do negócio, sua persistência, tem de olhar para frente e os sucessores precisam ter isso em mente. Contudo, não se pode negar o que veio antes porque o que antecede sempre ensina. Herszkowicz explica que empresas com muitos anos têm na sua história ensinamentos, pois já passaram por muitas situações e é possível aprender dessa história vivida.
Dentro de todo esse processo que envolve sucedido e sucessor aparece uma questão chave, a governança, ou seja, do sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas e incentivadas e envolve os relacionamentos entre as instâncias decisórias (conselho, diretorias e gerências). A boa governança pressupõe um relacionamento fluído entre essas estruturas e instrumentos que são sua materialização no cotidiano de uma empresa. Por isso, enfatiza o palestrante, é muito importante definir o que cada um faz. As fronteiras de atuação precisam ser claras, ainda que essas instâncias trabalhem juntas em diversas situações.
Mas o que governança tem a ver com sucessão? Governança tem a ver com planejamento, que, por sua vez, minimiza efeitos surpresas. Quando se faz planejamento, criam-se regras claras (nas quais todos saberão os critérios para a sucessão, quem poderá e quem não poderá ser o sucessor), dá-se transparência ao processo e antecipam-se discussões que por vezes podem ser duras ou chatas. Assim, descentralizar as decisões, criar alçadas diversas como o conselho de administração, que cuida da parte estratégica, a figura do diretor, que complementa o trabalho do conselho; dividir os papéis de cada um é um aspecto da governança e da eficiência que ela traz para a empresa.
Quando se trata de empresas familiares, a família pode ser a explicação do sucesso ou a destruição do negócio. Isso porque a empresa é racional e a família é passional. “Na empresa, a meritocracia é importante, já na família o sentimento é o da igualdade”, enfatiza. A solução apontada é instalar a governança familiar, que diz respeito a comunicar a todos como vai o negócio. “Isso não significa entregar o negócio, mas falar sobre ele, o que acontece, as decisões, o que foi feito”. A partir dessa forma de falar sobre a empresa, possíveis sucessores também podem ser reconhecidos. Essa estratégia também permite uma integração entre os membros da família, já que a mesma cresce. Outro aspecto importante é a formação. “Mesmo para ser bom acionista, é preciso que se entenda do negócio, que exista uma formação a respeito”.
Herszkowicz destaca que não existe prato feito na administração da sucessão, mas alguns itens são importantes, entre eles, mapear os talentos, identificar os candidatos, criar um acordo entre sucedido e sucessor no que se refere ao andamento do processo de sucessão, escolher alguém com capacidade de trabalho, respeitar o organograma, fugindo do estratagema de criar cargos para acomodar familiares. Outra estratégia importante é fazer experimentação. O sucedido entrega ao sucessor projetos para que ele resolva, e depois avalia.
O consultor faz questão de lembrar que as sucessões estão centradas no espectro da família. “Às vezes, porém, não existe essa pessoa no ambiente familiar e é difícil abrir para agentes externos. Isso é importante que seja considerado, que a família e o sucedido estejam atentos e abertos a essa possibilidade”, conclui.