O café, uma das bebidas mais consumidas no mundo, transcende seu papel de estimulante para se tornar um elemento central na rotina diária de milhões de pessoas. Seu consumo é cercado por uma mistura de tradição, ciência e inovação, refletindo tanto em questões de saúde quanto em hábitos culturais. Nos últimos anos, a ciência tem se dedicado a desvendar os múltiplos efeitos que o café exerce sobre o corpo humano, seja pela quantidade de cafeína ingerida, pela qualidade dos grãos ou pelos métodos de preparo utilizados.
É nesse contexto que surgem as recomendações sobre o consumo de café, as certificações de qualidade, os impactos dos métodos de preparo e a veracidade de mitos e verdades que circulam sobre essa bebida tão popular.
Recomendações de consumo
Para garantir o consumo seguro e equilibrado de café, é fundamental considerar a quantidade e a qualidade da cafeína ingerida. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) realizou uma análise abrangente sobre a segurança da cafeína, avaliando dados de fontes científicas para fornecer orientações claras sobre o consumo seguro para diferentes grupos populacionais1.
A metodologia empregada incluiu uma revisão rigorosa de estudos em humanos, com foco em ensaios de intervenção e estudos de cortes prospectivos, tidos como os mais confiáveis por controlarem melhor as variáveis de confusão. Também considerou as diferenças na sensibilidade à cafeína entre a população geral e subgrupos específicos, como crianças, adolescentes, grávidas, lactantes e idosos1.
Como resultado, a EFSA aponta que a ingestão moderada de cafeína, até 400 mg por dia (aproximadamente 5,7 mg/kg de peso corporal), é segura para a maioria dos adultos, o equivalente a 3-4 xícaras de café (de 150 ml) por dia. Para crianças e adolescentes, ela recomenda um limite mais baixo devido à sensibilidade aumentada aos efeitos da cafeína: 3 mg/kg por dia, cerca de 1 xícara de café para adolescentes entre 12 e 18 anos1.
Durante a gravidez e lactação, a ingestão de cafeína deve ser limitada a 200 mg por dia para evitar potenciais riscos ao feto e prevenir efeitos adversos em bebês amamentados. Idosos também devem consumir cafeína com moderação, considerando a possível sensibilidade aumentada aos seus efeitos. Em todos esses casos, o café descafeinado é uma opção recomendada1.
Beber café pela manhã pode melhorar a atenção e o desempenho cognitivo. No entanto, para evitar interferências no sono, a EFSA sugere consumir café preferencialmente durante a manhã e a tarde, e optar por versões descafeinadas se houver problemas de ansiedade ou insônia1.
Qualidade vs quantidade
Além da quantidade, a qualidade do café é essencial. Aqui, as certificações da ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café) são cruciais para garantir que o café consumido seja de alta qualidade e livre de impurezas. O Selo de Pureza ABIC garante um café seguro para consumo, sem misturas ou adulterações, e classifica os cafés em cinco categorias2:
- Especial: possui alta doçura e baixo amargor; acidez elevada; aromas florais, frutados, baunilha, especiarias.
- Gourmet: possui baixo amargor; acidez e doçura moderada a alta; notas frutadas e florais; suave e cítrico.
- Superior: caracterizado por amargor, doçura e acidez que variam de leves a moderados; sabores de amêndoas e chocolate; suave com notas de caramelo.
- Tradicional ou Extraforte: possui amargor moderado a intenso; baixa doçura; encorpado e adstringente; sabor amadeirado.
Métodos de preparo
Os métodos de preparo do café influenciam tanto o sabor como o perfil nutricional da bebida. Cada método oferece características e benefícios distintos, e o entendimento detalhado desses efeitos pode aprimorar a experiência de consumo de café.
Al-Shnaigat e Obeidat (2022) conduziram uma revisão abrangente que analisou o impacto de diferentes métodos de preparo do café sobre os lipídios presentes na bebida e no corpo humano. O estudo focou especificamente nos diterpenos, como o cafestol e o kahweol, compostos conhecidos por sua capacidade de aumentar os níveis de colesterol LDL3.
A pesquisa revelou que métodos de preparo sem filtro de papel, como a prensa francesa, permitem a passagem de uma maior quantidade desses compostos, o que pode levar ao aumento dos níveis de colesterol total (TC) e LDL no sangue. A utilização de filtros de papel, como no café coado, reduz a presença de diterpenos na bebida. No entanto, os autores observaram que esse método pode também reter alguns compostos bioativos, como antioxidantes3.
Em contraste, o café coado no filtro de metal permite a passagem de mais óleos e micropartículas, resultando em um café mais aromático e robusto. Contudo, é importante destacar que o filtro de metal também permite a passagem de diterpenos3.
Santanatoglia et al. (2023), por outro lado, exploraram como diferentes métodos de extração de café filtrado influenciam o perfil volátil e as características sensoriais da bebida. Utilizando uma combinação de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (GC-MS) e análise sensorial por um painel de especialistas, o estudo revelou que métodos como o V60, que utiliza filtro de papel, resultam em uma maior concentração de compostos com notas frutadas e caramelizadas, enquanto métodos como a prensa francesa e outros que igualmente utilizam filtros de metal tendem a produzir perfis mais ricos em compostos relacionados a aromas torrados e de nozes4.
O método de preparo espresso, analisado por Al-Shnaigat e Obeidat (2022), é conhecido por sua alta concentração de antioxidantes e polifenóis, compostos associados à redução do risco de doenças crônicas. Apesar de seus benefícios, os autores apontam que a alta concentração de cafeína nesse método pode não ser ideal para pessoas sensíveis a essa substância, sugerindo cautela no consumo3.
Similarmente, a prensa francesa, que mantém uma quantidade significativa de diterpenos e antioxidantes, pode oferecer proteção adicional contra doenças crônicas, mas deve ser utilizada com moderação por aqueles que precisam controlar os níveis de colesterol3.
Por fim, o método cold brew, investigado no estudo de Santanatoglia et al. (2023), oferece uma abordagem diferenciada ao preparar o café a frio. Este método, que preserva compostos voláteis e antioxidantes, produz uma bebida com menor acidez, sendo particularmente indicada para pessoas com problemas digestivos4.
Mitos e verdades
O café, assim como outros alimentos e bebidas, é cercado por mitos que podem confundir quem deseja apreciar uma boa xícara de café. A seguir, estão esclarecidos alguns dos mitos mais comuns.
1-Não se pode tomar café horas após o preparo ou reesquentar
Depende: A qualidade do café pode ser afetada com o passar do tempo, pois os compostos responsáveis pelo sabor, aroma e benefícios à saúde podem degradar. Reaquecer o café pode alterar ainda mais esses compostos, afetando o perfil sensorial da bebida. No entanto, Barrea et al. (2021), que revisou estudos epidemiológicos e clínicos para compreender melhor os benefícios e malefícios do consumo de café, não encontraram evidências que sugiram que essas práticas sejam prejudiciais à saúde5.
2- Antioxidantes do café ajudam a proteger contra radicais livres, manchas e rugas na pele, e envelhecimento precoce
Verdade: Elias (2023), em sua revisão de estudos experimentais e clínicos que investigaram os mecanismos de ação da cafeína na proteção da pele, e destacou que os antioxidantes do café ajudam a proteger as células contra danos oxidativos, o que é fundamental para prevenir o envelhecimento precoce da pele6.
3-Café pode proteger contra câncer
Verdade: Há evidências crescentes que associam o consumo de café a uma redução do risco de vários tipos de câncer, incluindo câncer de fígado, cólon, mama e pele. Segundo Barrea et al. (2021), os compostos bioativos presentes no café, como a cafeína e os ácidos clorogênicos, possuem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e antiproliferativas que desempenham um papel crucial na prevenção do desenvolvimento de cânceres5.
4-Café é uma bebida que desidrata
Mito: Embora a cafeína tenha um efeito diurético leve, o consumo moderado de café não resulta em desidratação significativa. De fato, Barrea et al. (2021) argumentam que o consumo de café contribui para a ingestão total de líquidos diários e, com moderação, não leva à desidratação em pessoas saudáveis5.
Conteúdo desenvolvido por:
Danielle Lisboa – Nutricionista
CRN4 – 99100262
Referências Bibliográficas
- EFSA NDA Panel (EFSA Panel on Dietetic Products, Nutrition and Allergies). Scientific Opinion on the safety of caffeine. EFSA J. 2015;13(5):4102. doi:10.2903/j.efsa.2015.4102.
- Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Certificações de Qualidade. [Internet]. Disponível em: https://www.abic.com.br/certificacoes/qualidade/. Acessado em: 13 de agosto de 2024.
- Al- Shnaigat S, Obeidat H. The Effect of Consuming Coffee from Different Preparation Methods on Body Lipids Profile. Jordan j. Agr. sci. [Internet]. 2022 Sep. 1 [cited 2024 Aug. 13];18(3):231-44. Available from: https://jjournals.ju.edu.jo/index.php/jjas/article/view/462
- Santanatoglia A, Alessandroni L, Fioretti L, Sagratini G, Vittori S, Maggi F, et al. Discrimination of Filter Coffee Extraction Methods of a Medium Roasted Specialty Coffee Based on Volatile Profiles and Sensorial Traits. Foods. 2023;12(17):3199. doi:10.3390/foods12173199.
- Barrea L, Pugliese G, Frias-Toral E, El Ghoch M, Castellucci B, Chapela SP, et al. Coffee consumption, health benefits and side effects: a narrative review and update for dietitians and nutritionists. Crit Rev Food Sci Nutr. 2023;63(9):1238-61. doi:10.1080/10408398.2021.1963207.
- Elias ML, Israeli AF, Madan R. Caffeine in Skincare: Its Role in Skin Cancer, Sun Protection, and Cosmetics. Indian J Dermatol. 2023;68(5):546-50. doi:10.4103/ijd.ijd_166_22.