ABIC Entrevista: Roberto Rodriguez, Coordenador do Centro de Agronegócios da FGV

O especialista falou sobre a contribuição do setor cafeeiro para o desenvolvimento da economia nacional, para a geração de empregos e sobre as expectativas para o período pós-pandemia

Roberto Rodriguez - Crédito - Divulgação
27/08/2021
Publicado em

O Jornal do Café conversou com o Coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), Roberto Rodriguez, sobre a importância do agronegócio brasileiro, principalmente, durante a pandemia. Além disso, o especialista falou sobre a contribuição do setor cafeeiro para o desenvolvimento da economia nacional, para a geração de empregos e as expectativas para o período pós-pandemia. 

Durante a pandemia, o agro foi fundamental para amparar a economia brasileira que passava por um momento delicado. Como ele pode auxiliar na recuperação?

A verdade é que o agronegócio vem salvando a economia há muito tempo. Na pandemia, o saldo comercial brasileiro tem grande participação dele. Foi um setor que não desempregou e que representa cerca de 27% do PIB nacional. O saldo comercial positivo tem sustentado as reservas cambiais em dólar. 

Há um estudo recente feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e confirmado pela Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, que projeta um aumento de 20% na oferta mundial de alimentos para os próximos dez anos. Para que o mundo cresça 20%, o Brasil precisa crescer 40%, o dobro. Temos área disponível para essa expansão, bem como gente competente para viabilizar esse desenvolvimento, o que nos dá uma vantagem. Essa numerologia constata o papel do Brasil no cenário mundial. 

O setor registrou aumento em 2020 e, para 2021, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) estima o crescimento de 3%. De que forma você avalia esse crescimento? O que o possibilitou?

Essa reversão tem duas formas principais. A primeira, é o investimento do produtor rural nele mesmo, na terra e nos insumos adequados. A segunda, é a parceria com a política pública para o desenvolvimento de pontos importantes. Um deles é a tecnologia, já que a ciência é um fator central no desenvolvimento de um país. É preciso que haja um investimento governamental em pesquisa e ciência, a base de qualquer processo competitivo.

Outro ponto relevante, é a infraestrutura e logística, onde a parceria público-privada pode ajudar. O governo tem condições de fazer muito nessa área. Por outro lado, essas parcerias só não acontecem caso não haja confiança para investir no país. Para isso, é necessário a segurança política, acompanhada das reformas fundamentais (tributária, do Estado e política).

A destinação contínua de recursos para o campo, a fim de potencializar o seu progresso, também é um fator. A Ministra Tereza Cristina, que é competente, está lutando para que isso seja viabilizado. É preciso dar ênfase também no seguro rural. Esse ano, sofremos com geadas e secas brutais. Se os produtores pudessem usufruir do seguro, as coisas seriam muito mais simples. 

A atuação diplomática também é indispensável nesse aspecto. Afinal, 40% da produção mundial no campo acontece a partir de acordos bilaterais. Não adianta aumentar a produção se não houver mercado consumidor. 

Há uma tendência de crescimento nas exportações do setor?

Sem dúvidas. No ano 2000, por exemplo, o agronegócio brasileiro exportou U$ 21 bilhões. Já no ano passado, 20 anos depois, exportamos U$ 101 bilhões, cinco vezes mais. Esses números mostram uma alta competitividade, afinal, temos terra disponível e mão de obra qualificada. Devemos muito desse crescimento à demanda global, fundamentalmente vinda dos países emergentes. 

É interessante notar que nos anos 2000, 59% do que exportamos foi para os Estados Unidos e para a União Européia. Em 2020, o Oriente Médio, os países árabes e a África são regiões para as quais o Brasil tem exportando bastante. 

Quais os mercados em ascensão para o agro brasileiro atualmente?

Hoje, a China é o principal destino do agronegócio brasileiro. A Índia, por outro lado, precisa ser mais explorada. Só a classe média indiana já representa um enorme mercado consumidor. Países como Indonésia, Tailândia, Malásia, Vietnã, Filipinas e até o Japão merecem atenção. A Ásia como um todo é um continente bastante populoso e um grande mercado em potencial.

Os países do Oriente Médio e africanos, sobretudo o cinturão norte da África, estão crescendo muito como demanda. Há um grande cenário global que sinaliza oportunidades para o Brasil. Sobre outras áreas, é importante que haja um esforço diplomático para viabilizar acordos favoráveis. 

Em relação a geração de emprego, qual o impacto do setor?

O agronegócio emprega cerca de 20% da força de trabalho formal do Brasil. Há uma expectativa de crescimento dessa porcentagem em função das novas tecnologias que estão trazendo jovens, sobretudo na gestão. A indústria 4.0, relacionada aos temas de conectividade, internet das coisas e digitalização, tem trazido para a agricultura uma juventude da área de engenharia, de processos e de computação, o que ajuda a rejuvenescer o setor.

Por outro lado, há uma grande preocupação com a sustentabilidade e com o desmatamento. É necessário explorar a floresta sem derrubá-la. A expectativa é que o agro continue gerando empregos como nos últimos 15 anos. 

Como você avalia a participação da indústria cafeeira no agronegócio atual?

A indústria cafeeira sempre foi central. O café foi a alavanca de São Paulo, que por sua vez foi a alavanca do Brasil. O grão teve um papel extraordinário no desenvolvimento da economia do país. Há inúmeras outras consequências que as pessoas não falam. O acúmulo de grandes fortunas, por exemplo, ajudou a contribuir com o fomento às artes no país. A Semana de Arte Moderna de 1922 foi uma consequência da fartura financeira de grandes empresários, que decidiram investir o dinheiro em música, pintura, ópera e muito mais. 

A cafeicultura também foi essencial para o desenvolvimento da infraestrutura nacional, já que incentivou a criação de ferrovias para escoar as produções para os portos. Hoje, o café possui uma participação fundamental na economia dos estados produtores e do país como um todo. 

[Leia a série que o Jornal do Café produziu sobre a História do café]

O que esperar e qual o papel da indústria de café na pós-pandemia no Brasil?

A pandemia trouxe de volta um termo que estava esquecido, a segurança alimentar. Esse tema, junto com a sustentabilidade, retornou como prioridade para os consumidores, tendência que deve permanecer no futuro. Essas duas janelas que se abriram para a sociedade passam, obviamente, pelo agronegócio. O Brasil tem a liderança tecnológica e sustentável para guiar os demais países. 

A indústria de café precisa, cada vez mais, priorizar acordos para não exportar somente grãos de café, mas também café torrado e moído, bem como o café embalado, como fazem as indústrias dos EUA e da Europa. É necessário estar preparado para agregar valor. Eu vejo uma indústria moderna, preparada, competitiva, eficiente, bem gerida e focada, mas pendurada pela falta de acordos comerciais vantajosos. 

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Reportagem: Usina da Comunicação

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