ABIC entrevista: Advogado Felipe Moreira fala sobre LGPD

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08/12/2020
Publicado em

A Associação ouviu o especialista sobre a Lei Geral de Proteção de Dados e a sua importância para a indústria cafeeira, bem como para as empresas ligadas ao setor

Promulgada em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é a legislação brasileira que regula as atividades de tratamento de dados pessoais. Ela garante a privacidade e a segurança das informações de toda a sociedade. A Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) entrevistou o advogado Felipe Moreira, especialista no tema, sobre a importância da LGPD para a indústria cafeeira, bem como para as empresas ligadas ao setor.

1) De que forma a LGPD pode oferecer segurança à indústria cafeeira e às empresas ligadas ao setor?

A LGPD é importante para toda a cadeia produtiva, pois além de proteger os direitos do titular dos dados pessoais, resguarda, por outro lado, a inovação, o desenvolvimento econômico e tecnológico, a livre iniciativa e a concorrência, que são fundamentais para a indústria.

A Lei é um marco importante porque inaugura uma nova cultura de conscientização sobre o impacto da atividade de tratamento de dados na sociedade atual. À luz da legislação, comete crime de concorrência desleal quem divulga ou explora, sem autorização, as informações obtidas por meios ilícitos ou fraude.

Uma maior segurança jurídica será alcançada paulatinamente a partir da publicação de novos regulamentos e, também, com a discussão de casos concretos pela academia, pelos tribunais e pelo setor produtivo. De todo modo, a legislação atual é suficiente para esclarecer que a LGPD não surgiu para proibir todo tipo de coleta de dados pessoais e inviabilizar atividades importantes da indústria, mas para coibir abusos e garantir que o tratamento de dados pessoais seja feito com responsabilidade e respeito aos direitos dos seus titulares.

2) Como o uso indevido de informações digitais pode prejudicar a reputação das marcas/empresas ligadas ao agronegócio café?

A reputação das organizações é diretamente impactada pela confiança que as instituições e os clientes depositam nelas. Sendo assim, o tratamento de dados pessoais feito de forma nebulosa ou indevida irá gerar desconfiança. A sociedade atual clama por empresas corretas que se preocupam verdadeiramente com o bem-estar de seus clientes e com um mundo melhor. Portanto, além das severas multas e outras penalidades legais, o uso indevido de dados pessoais pode minar a reputação da empresa e inviabilizar sua atividade por excesso de dúvida e temor por parte dos variados atores sociais.

3) No que tange ao mercado e as transações financeiras, nacionais e internacionais, entre produtores e compradores, qual o papel da segurança de dados?

É importante ressaltar que os dados relacionados à pessoa jurídica não estão no escopo da lei, ou seja, a LGPD não é aplicável aos dados de pessoa jurídica, que muitas vezes são os registrados nas transações entre produtores e compradores. No caso dos dados pessoais, a segurança é muito importante, e por isso mesmo a lei prevê que as empresas devem adotar medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

4) Como tornar os dados digitais da marca/empresa mais seguros?

As empresas podem investir em boas práticas e ferramentas de segurança da informação, em políticas de governança e procedimentos, que podem incluir, por exemplo, a anonimização de dados, a classificação da sensibilidade das informações e a criação de níveis de acesso dentro da organização. Mas, antes disso, o mais importante é ter consciência sobre como, quando e o motivo pelo qual a empresa coleta dados pessoais. É o que chamamos de diagnóstico do “ciclo de tratamento” de dados pessoais. Se esse ciclo não for bem compreendido, será difícil saber quais são os pontos de maior vulnerabilidade que precisam ser contornados para uma maior segurança. Cada empresa possui uma realidade de tratamento de dados e não é possível prever um procedimento de segurança único e necessário para todas.

5) Qual a relação entre investir em segurança digital e aumentar a competitividade/lucratividade?

Vivemos na chamada “era digital”, onde a competitividade e lucratividade das empresas é impactada profundamente pelas conexões criadas com o auxílio de ferramentas digitais, mas também pela qualidade e quantidade de dados sobre o mercado, as políticas públicas e as pessoas. É por isso que se diz que “os dados são o novo petróleo”. Se, por um lado, a presença digital parece ser essencial para a competitividade e lucratividade de uma parcela cada vez mais relevante de empresas, por outro, é preciso garantir uma inserção digital de maneira segura. As empresas com presença digital que conseguirem implementar boas práticas de transparência e proteção de dados podem se sentir à vontade para desenvolver suas ações de marketing digital, conquistar uma maior confiança e, quiçá, preferência do consumidor. Por outro lado, a falta de segurança pode atrair o receio e as consequências negativas que já citei anteriormente.

6) Como a LGPD pode ajudar as marcas/empresas a protegerem os seus clientes e consumidores?

Os dados pessoais fazem parte de um conjunto de atributos essenciais à constituição da pessoa, conhecido com direitos de personalidade. Nesse grupo de direitos, há o direito à vida privada, a honra, o direito de imagem, entre outros. Tais direitos protegem as pessoas de intromissões indesejadas e permitem o desenvolvimento de sua autodeterminação. Por isso, um dos pontos fundamentais da lei é o de que o tratamento dos dados deve ser feito com o consentimento de seu titular e para finalidades legítimas. Assim, a LGPD funciona como uma bússola que guiará as empresas na revisão de suas políticas e processos, tendo em vista a proteção e o respeito aos direitos dos seus clientes.

7) De que forma a ABIC, enquanto representante da indústria cafeeira nacional, pode estimular os seus associados a aderirem à LGPD?

Principalmente por meio do debate e da transmissão de informações e conhecimento sobre proteção de dados pessoais. Tais ações podem compreender, por exemplo: a) realização de eventos e atividades de capacitação sobre proteção de dados; b) acompanhamento e transmissão das orientações da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD); c) interlocução com o Poder Público para assegurar a adoção de procedimentos simplificados e diferenciados para microempresas e empresas de pequeno porte no setor do café e d) disponibilização de canais para esclarecimento de dúvidas sobre o conteúdo da LGPD e seus impactos na indústria de café.

8) De que forma o uso indevido de dados coletados de clientes por uma marca/empresa pode afetar o consumidor final?

O uso indevido de dados pessoais viola o direito à privacidade e intimidade dos seus titulares. Essa violação pode se desdobrar em diversos ilícitos, tais como: a) uso dos dados para ações de spam via correio, e-mail ou telemarketing; b) uso dos dados para prática de fraudes; c) uso dos dados para ações de vigilância e d) uso dos dados para prática de ameaças e golpes.

9) Uma marca/empresa que adote a LGPD é, por consequência, melhor posicionada no mercado?

É importante ressaltar que seguir as determinações da LGPD e garantir os direitos dos titulares de dados não é uma mera opção, mas sim uma obrigação. A empresa que não observar a LGPD estará posicionada à margem da lei, podendo sofrer as consequências que mencionei anteriormente.

A legislação se aplica a todas as empresas privadas e públicas de todos os setores da economia, independentemente dos dados coletados estarem registrados em papel ou em meio digital. É claro que o impacto da LGPD irá variar de empresa para empresa, mas todas devem se adequar. Por exemplo, é difícil pensar em uma empresa que não detém dados pessoais de seus colaboradores para pagamentos de salários. Esses dados devem ser protegidos, assim como os obtidos em ações mais estratégicas, como as que envolvem a coleta de dados de clientes para ações promocionais ou de negócios; coleta de dados através de sites para vender produtos ou serviços; ou análise de comportamento dos clientes para sugerir um conteúdo específico.

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