por José Roberto Mendonça de Barros
O inesperado aparecimento do coronavírus é um daqueles choques exógenos com potencial de alterar cenários. Num primeiro momento, os mercados globais refletiram essa possibilidade, com as bolsas caindo fortemente.
Entretanto, hoje parece que a doença será essencialmente um fenômeno chinês, embora muito grande. A despeito de ela ter se espalhado pelo mundo todo, sua letalidade é menor do que a de epidemias anteriores. A ação mais transparente da China agora levou as autoridades sanitárias a entrar em alerta e está impedindo uma propagação mais intensa.
Mais ainda, a análise da evolução dos casos confirmados permite um ajuste de curvas que projetam a evolução da doença. Um dos modelos deste tipo projeta 230 mil casos no fim de fevereiro (com dados até o dia 4). A partir daí, o número de novas ocorrências começa a cair, o que sugeriria que a epidemia estaria relativamente controlada até o final de abril – embora, é evidente, com um custo imenso em perda de vidas.
A pergunta que economistas se fazem é qual o efeito da doença sobre o crescimento global. Antes de mais nada, é preciso registrar que, do ponto de vista estritamente econômico, existem perdas permanentes e perdas recuperáveis. No primeiro caso estão as viagens locais e internacionais que deixaram de ser feitas. Um hotel da Turquia que não foi utilizado no Ano Novo chinês, para ficar num exemplo hipotético, não tem como recuperar seu movimento. O mesmo vale para muitos tipos de serviços, como transporte aéreo, indústria de turismo e o comércio por ela afetado. Por outro lado, na produção industrial, é possível que horas extras feitas depois da parada da produção possam recuperar parte do que deixou de ser produzido.
O que é inequívoco é que, em alguma medida, o crescimento será menor na China e em boa parte dos seus vizinhos asiáticos, onde o efeito turismo é mais significativo e que participam intensamente das cadeias globais de produção. É difícil atribuir um número a essa queda, mas o crescimento global será algo menor que os 3.3% projetados pelo FMI antes do coronavirus. Também é certo que o comércio internacional será menor e todos os países do mundo, inclusive o Brasil, serão afetados. O setor de commodities terá redução da demanda e queda de preços. O petróleo e outros energéticos serão os mais afetados. Os alimentos estão mais defendidos, dadas as crescentes necessidades de importação da China.
A percepção de que a doença não se transformará numa pandemia global aliviou os mercados financeiros. Além disso, a economia americana continuou a dar mostras de robustez, com indicadores de expansão no setor manufatureiro e de serviços. Na mesma direção, os dados do emprego continuam muito bons.
Finalmente, a China anunciou a redução de várias tarifas de importação, em cumprimento da fase I do recente Acordo Comercial com os EUA. A recuperação passou para a euforia, novos recordes foram batidos nas bolsas e o valor do dólar frente às outras moedas atingiu o máximo dos últimos meses.
Essa animação levanta a questão da sustentabilidade. Como disse esta semana o fino analista e gestor Mohamed El-Erian, há um embate entre sentimento favorável e acumulação de incertezas de curto prazo: tensões comerciais recorrentes, crescente realização do impacto de mudanças climáticas, choques tecnológicos, polarização política e mudanças demográficas.
Eu adicionaria as tensões geopolíticas, o risco regulatório que paira sobre as grandes empresas de TI e a continuidade das dificuldades do mercado monetário de curto prazo (“Repo Market”), que não vive mais sem grandes intervenções do Federal Reserve, que, ao meu juízo, está vivendo um “momento Greenspan”.
Quanto aos efeitos no Brasil, pelo menos quatro podem ser mencionados. Primeiro: haverá uma maior pressão na cotação do Real, decorrente da incerteza e do menor saldo da balança comercial. Segundo: a queda nas commodities decretou o fim da inflação de alimentos, pois somaremos o efeito preço a um natural aumento da oferta durante o verão. Terceiro: o impacto na SELIC já foi resolvido pelo Bacen, com uma última queda de 25 pontos. Quarto: o crescimento de 2020 será mais moderado e vai refrear a grande animação de parte do mercado do final do ano passado. Não apenas o último trimestre do ano foi mais fraco que o esperado (como a produção industrial de dezembro mostrou), como o primeiro trimestre deste ano também será devagar, tendência acentuada pelo coronavirus. Reafirmo a projeção de crescimento de 2% para o PIB deste ano.
Esse artigo foi publicado originalmente no Jornal O Estado de São Paulo, no dia 09 de fevereiro de 2020.