Renato Jakitas, para O Estado de S.Paulo
Nas últimas duas semanas, supermercadistas e fabricantes de alimentos travam uma queda de braços com impactos diretos na mesa dos consumidores brasileiros. Os varejistas reclamam abertamente dos reajustes aplicados pela indústria a alguns alimentos que compõe a cesta básica – como cereais, lácteos, legumes e frutas -, que em alguns casos ultrapassaram os 70% de uma semana para outra. Os fornecedores, por sua vez, alegam aumento de demanda e questões operacionais para essa alta, como o custo logístico. Especialistas dizem que a alta é circunstancial e os preços devem arrefecer daqui para a frente.
Seja como for, os supermercadistas se dizem pressionados pelos consumidores. Segundo levantamento realizado nesta semana pela Associação Paulista dos Supermercados (Apas), o preço do leite subiu 36,4% em uma semana, o feijão disparou 50,3% e o molho de tomate, 32,5% (ver tabela abaixo).
Como resposta, algumas redes fixaram cartazes nas gôndola, ao lado dos produtos, chamando a atenção dos clientes para os aumentos por elas considerados abusivos e fazendo questão de remeter toda a responsabilidade da remarcação aos seus fornecedores.
Em outros casos, os varejistas divulgaram comunicados nas contas oficiais de redes sociais, sempre com o mote do “aumento injustificável”. Algumas redes, orientadas pelas entidades do setor, reduziram o volume de pedidos e, para conseguir atender à demanda da clientela, adotaram práticas restritivas, como a de racionamento de compras.
Nos bastidores, as redes negociam há pelo menos 15 dias um recuo nos preços. Na atitude mais extrema, com a remarcação do leite e de seus derivados, a queixa foi parar no Ministério da Justiça, em denúncia formal enviada pela Abras à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Segundo o comunicado da entidade, o setor “não compactua com elevação injustificada de preços, principalmente num período de fragilidade da população no que se refere à saúde pública”.
Para o presidente da Apas, Ronaldo Santos, existem alguns fatores que levariam a uma alta de alguns produtos, mas em boa dose há um exagero por parte dos fornecedores. “Eu falei com a cadeia de fornecimento inteiro para entender os porquês dessa alta e, confesso, não consigo explicá-la para o consumidor”, diz. Segundo ele, o setor resiste como pode aos aumentos que chama de “exorbitantes”. “Mas a gente não pode ficar sem produto, então recomendamos que nossos associados comprem, mesmo caro, e repassem para o consumidor, sem ampliar a margem de lucro”, diz.
Subiu demanda
Do outro lado da disputa, os fabricantes se defendem dizendo que o aumento na demanda encareceu a logística em toda a cadeia de produção e que isso, associado à questões pontuais de safra, acabou impactando no preço final do produto.
Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) informa que “não discute preços, uma vez que as negociações entre as empresas do setor e as cadeias de varejo contextualizam-se em um cenário de livre mercado e orientam-se por uma variável concorrencial”. Individualmente, os empresários garantem que não existe oportunismo neste momento de pandemia do novo coronavírus. “Não houve aumento de margem por parte do fabricante”, garante o sócio da Joli Alimentos, Felipe Cabrini, que aumentou em 12,1% o preço de seu principal produto, o feijão carioquinha, nos supermercados. “A minha demanda aumentou mais de 100%, a logística ficou cara. Eu só repassei o custo, sem ganho de margem de lucro”, diz.
O produto da Joli foi alvo de uma ação das rede de supermercados Dalben, do interior de São Paulo. O varejista fixou cartazes ao lado do produto afirmando que o item “teve uma grande inflação no seu preço de custo, realizada pelo seu produtor e seu fabricante”. “Eu conversei com eles (do supermercado), para entender porque fizeram isso com meu produto, mas disseram que fariam a mesma coisa com qualquer um que aumentasse o preço. Vão ter de fazer com todo mundo”, diz o empresário. Procurada, a rede de supermercados não quis comentar a ação.
“É oportunismo dos fornecedores”, afirma Chalin Savegnago, dono do supermercado Savegnago, com 45 lojas no interior de São Paulo e faturamento de R$ 3,2 bilhões. “O custo da logística é por quilômetro rodado e tonelada levada. Eu também freto caminhões e as estradas estão livres, tem um monte de caminhoneiro parado”, diz o empresário que, desde a semana passada, está racionando a venda de produtos lácteos, arroz, feijão e óleo de cozinha. “São 12 litros de leite por pessoa, cinco quilos de arroz e três quilos de feijão. Quero vender menos, para pedir menos e, assim, o preço cai, você vai ver.”
Fiscalização
No dia 16 de março, o Procon deu inúcio à Operação Coronavírus para apurar casos de preços abusivos no setor alimentício. “Temos 8,3 mil reclamações sobre prática de abusos de preços no varejo alimentar. A situação é muito clara, quem aumentar o preço e não conseguir justificar vai ser multado”, afirma o diretor o Procon, Fernando Capez. “Existe o direito ao lucro e o abuso do direto. Não existe argumento de livre mercado em tempos de exceção como uma pandemia. O empresário que n0ão justificar com nota fiscal o aumento de um produto será autuado na hora”, diz.
Para Marcos Fava, professor de agronegócios da USP e da FGV, boa parte dos preços deve recuar nos próximos dias. Segundo ele, as primeiras medidas de isolamento social em virtude da escalada do coronavírus levou a um aumento forte da presença de consumidores nos supermercados. Essa demanda já caiu desde o último final de semana, mas trouxe aumento de preços em alguns produtos, que foram naturalmente distribuídos nas etapas da cadeia de distribuição. “Esta situação deve se normalizar agora que as vendas estão de volta ao patamar tradicional”, afirma.