45 anos de lutas em prol da indústria de café e do consumidor brasileiro

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03/01/2019
Publicado em

A suspensão dos subsídios fornecidos às indústrias pelo IBC e o tabelamento de preços do produto no varejo, em 1972, foram o estopim da grande crise que assolou o setor torrefador. Oneradas que se achavam por compromissos assumidos anteriormente, e forçadas a adquirir o café diretamente do produtor e, na maioria das vezes, no mercado, a custos elevados, as indústrias lutavam pela sua sobrevivência.

Os sindicatos e representações regionais e estaduais das indústrias, como de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Fortaleza e Curitiba, acompanhavam com impaciência o desenrolar dos acontecimentos e pleiteavam junto ao governo o reestudo das decisões da política cafeeira para o mercado interno. Entretanto, eram ações dispersas e isoladas. E é a necessidade de terem uma representatividade nacional, capaz de coordenar e reivindicar os interesses da classe, que dá início ao movimento que viria a criar, em 1973, a ABIC. Os encontros dessas lideranças aconteciam, em geral, no centro do Rio de Janeiro (sede do IBC), no Hotel Serrador.

Encontros preparatórios

Oficialmente, as discussões sobre os problemas do mercado interno e a necessidade de uma solução de âmbito nacional, tiveram início logo após a edição da Portaria Super 23/72, em julho de 1972.

Por iniciativa do Sindicato do Estado da Guanabara decidiu-se enviar um memorial da classe aos ministros da Indústria e Comércio, da Fazenda e da Agricultura, ao presidente do IBC – Instituto Brasileiro do Café e ao superintendente da Sunab, relatando o quadro em que estava operando o setor.

Esse memorial destacava que as indústrias suportaram durante anos todo o ônus da política oficial para o café destinado ao consumo interno, representado, sobretudo, pela defasagem entre o aumento contínuo e desordenado dos preços e tarifas de bens e serviços (insumos) e a fixação dos preços finais. Não houve resposta à essa correspondência.

Em março de 1973, não conseguindo o atendimento de seus pleitos, os sindicatos tomaram a decisão inédita de publicar em jornais uma carta aberta ao presidente Emílio Garrastazu Médice, formulando veemente apelo para o atendimento às suas necessidades.

A carta aberta, publicada em diversos jornais, surtiu efeitos imediatos, com forte impacto junto ao governo. Uma repercussão decisiva para a criação da ABIC, que surgiu em um encontro histórico.

Realizado na residência do presidente do Sindicato da Guanabara, Abílio Moreira da Cunha Filho, estavam presentes Henrique Casarini, Oswaldo Cupaiolo, Alexandre Gonçalves e Alberto Nahum (São Paulo); Ismael Ferreira Frias e Francisco Bernardino Martins (Rio de Janeiro); Íris Antônio Campos e Ewaldo Wachelke (Paraná); Carlos Barcelos e João Vianna (Minas Gerais); Edgard Wanderley (Pernambuco); Hélio Guedes Pereira (Ceará) e Saul Zubaran de Souza (Rio Grande do Sul).

As discussões se prolongaram por horas, até que, já de madrugada, foi aprovada uma junta governativa, e indicado o nome do empresário Manuel Leite para ser o primeiro presidente da nova entidade. Leite, além de grande defensor do setor, mantinha contatos permanentes com o IBC. Compunham a junta governativa Osmar Dias Rocha, de São Paulo e Íris Antônio Campos, do Paraná.

Essa indicação foi ratificada em 12 de março, por unanimidade, na primeira assembleia que criou a entidade, realizada em sua sede provisória no prédio da Federação das Indústrias do Estado da Guanabara.

Apenas após 5 meses da criação da entidade, foi organizado o Encontro Nacional das Indústrias de Café, cujo principal resultado foi listado em 11 providências que poderiam minimizar os efeitos das crise.

Entre esses itens destacamos:

• Manutenção do índice de impurezas máximo em 1% (cascas e paus);

• Atribuição de responsabilidade mútua ao vendedor e comprador de café abaixo do padrão permitido;

II Rio Export Fair – maio 1974

• Alteração na resolução 539, no que tange à obrigatoriedade de fixação do preço ao consumidor, obrigando o fabricante a imprimir na embalagem os dois preços, isto é, de venda ao atacado e o preço de venda ao consumidor.

• Após a criação da ABIC e do estabelecimento deste elenco de ações, a entidade conquistou um outro nível de diálogo com as autoridades cafeeiras.

Anos 80 – Liberdade de preços e combate à fraude

Os anos 80 são marcados pelas crises econômicas no Brasil e no exterior, influenciadas principalmente pela alta da cotação do petróleo.

Com o preço do café tabelado ao consumidor final e os preços da matéria-prima subindo de forma assustadora, as indústrias viviam uma crise sem precedentes. Porém, não havia negociação em torno do tabelamento. Alberto Nahum, que acabara de assumir a presidência da entidade, não encontrando um respaldo público no sentido de solucionar a questão do congelamento dos preços do produto no varejo, convocou as indústrias para que reajustassem seus preços à revelia do governo. E comunicou o fato aos consumidores e ao mercado, por meio de um esclarecimento público.

O ato foi considerado uma “desobediência pública” e valeu para Nahum uma ameaça de prisão por parte da Sunab. Mas ninguém foi preso e, algum tempo depois, o próprio governo referendou os reajustes que tinham sido recomendados pela entidade.

Uma grande preocupação da ABIC sempre foi aprimorar a qualidade, combater as fraudes, praticar preços justos e aumentar as vendas e o consumo interno. No 10º Concafé, realizado em Vitória, é ressaltada com veemência a necessidade do esforço conjugado entre todos os setores da economia cafeeira, com total apoio dos órgãos governamentais, para trabalhar essas metas.

Em 1986, um longo período de estiagem afetou a produção cafeeira, que se traduziu em novas altas de preços da matéria-prima, e o produto industrializado novamente com o preço tabelado. Tudo contribuía para a proliferação cada vez maior de empresas que, além de não atenderem aos requisitos mínimos de qualidade dos grãos utilizados, ainda adulteravam seus produtos. A fiscalização cabia ao IBC, tarefa que com o passar do tempo foi se tornando pouco eficiente e inadequada.

Os reflexos dessa situação sobre o consumo foram imediatos. As torrefadoras, que nos anos 60/70 chegaram a processar 9 milhões de sacas/ano, industrializaram em 1985 apenas 6,4 milhões. E o consumo per capita, que em 1965 havia atingido 4,72 quilos, tinha caído para 2,27 quilos.

Em 1987, a ABIC realiza um grande estudo sobre o comportamento dos consumidores. A pesquisa feita pelo instituto Vox Populi – Mercado e Opinião, teve seus resultados divulgados no ano seguinte, e mostrou que, apesar de o café estar sempre presente na vida das pessoas e de ser lembrado com afeição pelos entrevistados, existia uma unanimidade de opinião sobre a baixa qualidade do produto: o brasileiro toma um café de péssima qualidade. E mais: mostraram-se convictos de que o melhor café era exportado e que o produto destinado ao consumidor interno, além de baixa qualidade continha misturas.

Ainda em 1988, a entidade realizou outro estudo que foi feito pela Target – Pesquisa e Serviços de Marketing e que tinha como objetivo conhecer a problemática das indústrias em todo o país. De caráter quantitativo e incluindo empresas associadas e não associadas à entidade, a pesquisa revelou um perfil do setor dos mais preocupantes: uma indústria estagnada, tecnologicamente superada, com um parque instalado obsoleto.

Foi principalmente baseado nessas duas pesquisas que a ABIC definiu a linha estratégica de ação que, a partir de 1989, iria colocar em prática:

Selo de Pureza resgatando o consumidor

Lançado em agosto de 1989, dois anos antes do Código de Defesa do Consumidor, o Selo de Pureza ABIC viria a se transformar em um divisor de águas. O saneamento do setor era mais do que necessário e a única maneira de reverter a tendência cada vez mais acentuada de queda de consumo.

As negociações para a formalização do Programa de Autofiscalização entre a ABIC e o IBC, na época presididos, respectivamente, por Carlos Barcelos Costa e Jório Dauster, tiveram início em 1987 e se concretizaram em 10 de novembro de 1988, quando entrou em vigor a Resolução nº 80, baixada por aquela autarquia. Por meio dessa resolução, a ABIC passava a responder pela fiscalização do setor, arcando com todas as despesas de coleta e análise de amostras em todo o país.

Participação nos Jogos Pan-Americanos Rio de Janeiro – 2007

Cerimônia de lançamento do Selo de Pureza

Na época de sua implantação, mais de 30% das marcas de café analisadas burlavam a legislação, ou com uma quantidade de impurezas (cascas e paus) superior ao 1% permitido por lei, ou com a adição de outros produtos, o que caracterizava fraude.

O programa deu certo e hoje menos de 0,60% das marcas analisadas apresentam problemas, sendo que o programa é exemplo mundial, citado pela OIC – Organização Internacional do Café e que conseguiu resgatar o consumo interno do produto, que em 2017 atingiu a marca de mais de 21 milhões de sacas/ano consumidas.

Grandes mudanças

A década de 1990 foi um período de grandes mudanças em todo o Brasil. Fernando Collor assume a presidência e logo extingue o Instituto Brasileiro do Café – IBC. Para a cadeia do café a situação fica caótica, com o vácuo do fim do IBC ocorre também o fim do Acordo Internacional do Café.

Américo Sato na posse de Fernando Collor e Itamar Franco

Em 1991 acontece um dos mais importantes fatos do setor: a histórica reunião de Varginha (MG) que formalizou a formação do CBC – Comitê Brasileiro do Café, que pela primeira vez reunia os quatro segmentos do complexo cafeeiro: produção, exportação, torrado e moído e solúvel. O CBC foi criado justamente para atuar na interlocução com o governo.

Os anos 90 marcam também o início do conceito de agronegócio, no qual todos os segmentos interagem entre si e têm como objetivo comum o aumento do consumo de café.

Em 1996 é criado, com participação ativa da ABIC, o CDPC – Conselho Deliberativo da Política do Café, que é lançado em cerimônia no Palácio do Planalto, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

O presidente Fernando Henrique Cardoso prestigiando estande da ABIC

A realização de diversas pesquisas e estudos de mercado, juntamente com encontros anuais e congressos, além da Feira do Café, espaço exclusivo para o café dentro da Fispal, fez com que a ABIC fosse indicada para coordenar o Programa Cafés do Brasil, entre os anos 1999 e 2001. A iniciativa visava ampliar os mercados no exterior e dar um novo salto no consumo interno. Além dos ganhos obtidos para a imagem do produto, esse programa promoveu a certificação de origem dos cafés produzidos no Brasil, levou a criação de um projeto de qualificação, o PEM – Programa de Educação do Mercado.

Qualidade Total

A palavra chave da ABIC no início do século 21 é Qualidade – um conceito que avança e moderniza o programa do Selo de Pureza, sintoniza o setor com as exigências do mercado, e beneficia todo o agronegócio.

Junto ao governo, a entidade sugere que nas licitações feitas pelos órgãos públicos seja adotada a exigência de um Nível Mínimo de Qualidade. Junto aos seus associados a ABIC também implanta um programa de qualidade, somando-se ao Selo de Pureza.

Nesse mesmo período implementa uma grande campanha de marketing e de educação do mercado, o PACIC – Programa de Aumento do Consumo Interno de Café. Uma estratégia que surge como um divisor de águas, dado ao seu ineditismo ao integrar, pela primeira vez, todos os agentes do agronegócio em uma série de ações, eventos e campanhas, no conceito da qualidade global do produto, da planta à xícara.

PQC Marco da busca pela qualidade

Em abril de 2004, o Conselho Deliberativo da ABIC aprovou o formato final do inédito PQC – Programa de Qualidade do Café, um moderno e inovador projeto, que incentiva e estimula a melhoria da qualidade do café oferecido aos consumidores brasileiros, através de um processo sistemático de avaliação sensorial, que representou uma mudança cultural do conceito de qualidade.

Para participar do programa a empresa passa por uma auditoria onde são avaliados os equipamentos, a situação fitossanitária, relações trabalhistas, boas práticas de fabricação de todo o processo industrial, certificando o produto e identificando sua categoria através de símbolos que são estampados nas embalagens. Hoje essas categorias são: Extraforte, Tradicional, Superior e Gourmet.

O programa trouxe maior agregação de valor às marcas participantes, uma relação mais transparente e eficaz com o consumidor, uma melhor exposição em pontos de vendas e uma diferenciação com relação aos concorrentes. O projeto logo ganhou o reconhecimento do comércio varejista, do governo e da comunidade.

Nos últimos anos o mercado foi marcado por uma grande quantidade de fusões e aquisições, entrada de gigantes multinacionais e grandes investimentos, tanto em parques fabris, como também em marketing e inovações, como as cápsulas, máquinas para espresso e monodoses. As empresas também investem em cafés de melhor qualidade, principalmente nas categorias superior e gourmet, que representam um melhor valor agregado no produto final.

Em 2007, durante o 14º Encafé, a entidade apresentou o CCQ – Círculo do Café de Qualidade, mais uma ação inédita, que visa diferenciar os estabelecimentos que oferecem cafés de qualidade, envolvendo cafeterias, restaurantes, bares e hotéis, sendo mais um estímulo à agregação de valores. Entre as atividades do programa estão treinamento e capacitação no preparo do produto, além da formação de baristas, apoio à produção de receitas a base de café, divulgação de novas formas de preparo e a distribuição de informativos sobre a bebida.

Para garantir ao consumidor um produto com alta qualidade é preciso que o café seja selecionado, classificado e preparado por profissionais capacitados. Para formar esses profissionais a ABIC apoiou e incentivou a criação de centros de preparação de café, sendo pioneiro o do Sindicato das Indústrias de Café do Estado de São Paulo, inaugurado em 1996. Essas escolas oferecem diversos cursos desde o preparo em casa, classificação de café cru, ciência da torra, formação de baristas, Latte Art e outros.

Para distinguir e enaltecer os produtores que se empenham na busca de cafés de melhor qualidade e aqueles industriais que investem nesses produtos, a ABIC lança em 2004 a Edição dos Melhores Cafés do Brasil. (Veja como foi a 14ª edição em matéria na página 20).

Café e Saúde

Um dos preconceitos que sempre preocupou a ABIC foi que café faz mal para a saúde, divulgado inclusive por alguns profissionais da área médica. E a percepção geral que café é composto somente por cafeína e também que crianças não devem tomar café.

Dr. Darcy Roberto Lima, pioneiro do programa Café e Saúde

Para desmistificar esses conceitos, a ABIC apoiou os estudos desenvolvidos na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo Dr. Darcy Lima. Essas pesquisas foram fundamentais para uma reorientação da comunidade científica e mostrou que além de não fazer mal para a saúde, o consumo adequado de café pode fazer bem e ainda ajuda na prevenção de diversas doenças como a depressão e alcoolismo, doenças cardíacas, alguns tipos de cânceres, Mal de Parkinson e Alzheimer, entre outros.

Diversos médicos, cientistas e pesquisadores compõem um núcleo de “Café & Saúde” onde desenvolvem estudos no Brasil e no exterior, juntamente com o Instituto do Coração (Incor/USP) e Fundação Zerbini, para avaliar os efeitos do café na saúde humana.

A principal conclusão é que o café é um alimento saudável e natural, que tem benefícios comprovados para a saúde humana, que estimula o sistema de vigília do cérebro.

Tecnologia, inovação e criatividade fazem surgir novos e diferenciados produtos, de maior valor agregado, que atraem o consumidor, com formas diferenciadas de preparo da bebida. As indústrias de café estão cada vez mais empenhadas em atender a um consumidor que busca novidades e a cada dia mais exigentes.

Nesses anos de atividades, a ABIC cumpriu um papel importante e fundamental para o agronegócio, resgatou o café como símbolo do país e orgulho dos brasileiros, como um produto natural e saudável e como fonte geradora de empregos e riquezas. São 45 anos de lutas em prol da indústria de café e do consumidor.

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